terça-feira, 1 de abril de 2008

fotojornalismo e o prémio Visão

Dia das mentiras. Podia inventar para aqui uma mentira qualquer mas todos iriam perceber que era mentira e pronto. Não iria ter grande piada. Hoje vou escrever sobre um tema sério.

Vou começar por escrever um pouco sobre o Prémio Visão de Fotojornalismo. Em conferência de imprensa o júri deste ano levantou algumas questões que devem preocupar todos aqueles que gostam do fotojornalismo. Cada vez é mais difícil fazer um bom trabalho. Cada vez menos os meios de comunicação investem em fotógrafos para fazer um bom trabalho. Não lhes dão tempo para cobrir um assunto e, segundo diz o director do "Visa pour l'Image", Jean-François Leroy, não é por questões financeiras, "dizem que não têm dinheiro, mas não é verdade, porque pagam muito bem por fotografias de celebridades como o George Clooney, mas não querem saber da Chechénia".
Custa-me acreditar e verificar isto.

Outro dos assuntos levantados tem a ver com a democratização da fotografia. Todos os que têm uma máquina fotográfica digital podem tirar fotografias e difundi-las muito facilmente. "Depois não sabemos muitas vezes quem são as pessoas, qual é a situação, o seu contexto, o que está realmente a acontecer. E este é um grande perigo, quando as pessoas acreditam no que vêem", refere Philip Blenkinsop.
Sim, de facto isso já há algum tempo que me preocupa, a banalização da imagem.

Por fim, a relação do fotojornalismo com a galeria. "O fotojornalismo não é feito para galerias. É perverso vender fotografias com pessoas a sofrer e é obsceno comprá-las. Primeiro que tudo somos jornalistas, não somos artistas, e trabalhamos para a imprensa, não trabalhamos para galerias", refere Jean-François Leroy, que assegurou que enquanto for director do "Visa pour l'Image", nenhuma fotografia será vendida.
Concordo que não sejam vendidas nem compradas fotografias desta natureza.

Aproveito, no entanto, para dar a minha opinião sobre um tema também normalmente discutido- os concursos de fotojornalismo. Concordo que sejam feitos concursos (e posteriores exposições) como o World Press Photo e o nosso Prémio Visão. Não considero que seja ganhar mérito com o sofrimento dos outros. Julgo que é uma forma de mostrar ao mundo que aquilo existe, na esperança que isso possa servir para mudar alguma coisa. Ver uma exposição desta natureza é quase um murro no estômago, é. De facto, custa, choca, dói. Lembro-me de algumas imagens quando escrevo sobre isto. Meninos sem braços, sem pernas, o desespero e o sofrimento estampado na cara de tantas pessoas. Guerras, guerrilhas, ou acidentes da natureza. Seja causado pelo homem ou pela natureza há milhares, milhões, não sei ao certo, de pessoas a sofrer neste preciso momento. São, principalmente, as fotografias que nos fazem ter consciência disso. Eu, pessoalmente, talvez não possa mudar muita coisa, mesmo tendo a consciência de tudo isto. Mas posso, podemos todos, de alguma forma, aprender com isso. Aprender a relativizar as pequenas coisas que nos acontecem. Não fazer dramas quando não se justifica. Não desperdiçar o que temos. Não nos queixarmos tanto da vida que vivemos, pois sabemos (vimos isso através destas fotografias) a vida miserável que tantas pessoas têm. É o mínimo que podemos fazer.
Ah, outra coisa que me lembrei entretanto, às vezes dizem-me: "mas e aquelas pessoas que são retratadas não têm direito a escolher se querem aparecer ou não?". Eu respondo: será que elas não querem que o mundo saiba como vivem? as injustiças que sofrem. Será que preferem que sejam esquecidas (ou nunca lembradas) ou que todos possamos ver que aquilo é real e que é necessário que sejam ajudadas?


5ª feira lá vou eu assistir à entrega de prémios do Prémio Fotojornalismo. Estou ansiosa para ver as fotografias a concurso e as vencedoras.

4 comentários:

joana disse...

E tens muita pertinência nas questões que levantas...

Na verdade também me faz confusão a aceitação passiva por vezes de pessoas que em situações tão extremas aceitam ser fotografas e aceitam a presença de um estranho com uma máquina na mão tão perto do seu sofrimento. Na verdade, contudo, sabem também que essa imagem pode ser o inicio de um trilho de terra batida que conduza a parte da solução, a uma abertura do seu problema, situação ou condição ao Mundo.

Sei que tinha outro comentário a fazer que me surgiu quando li o teu post mas pus me na conversa e esqueci-me. ahahah :P

beijinho, oh fotojornalista

joana disse...

Lembrei-me.
Queria dizer que às vezes o excesso de sofrimento, de angústia e de DRAMA que os media/fotojornalistas/camaras transmitem acabam por ter um efeito oposto. Em vez de mobilizar e incentivar à ajuda, acaba por empurrar as pessoas para um lugar de resignação. Acaba por fazê-las pensar que nada há a fazer para mudar estas situações e fazê-las continuar o seu almoço, que afinal está quente e "ainda bem que tenho tanta sorte por viver em Portugal" ou "antes a eles do que a mim".

Infelizmente muitas vezes é isto que acontece.

Mas eu sei que a nossa vontade, agora, é agarrar a vida e mudar o mundo. E vamos consegui-lo. :P Nem que seja um bocadinho..

Anónimo disse...

Já falamos sobre algumas destas questões e, de facto, a exposição da dor através de uma fotografia tem, ao mesmo tempo, um lado perverso e outro quase de sentido de missão. Acredito no papel do (foto)jornalista, mas admito que, apesar do impacte que uma imagem possa causar quando divulgada, o momento em que se prime o botão para fazer disparar o obturador em vez de se esticar a mão para ajudar alguém,se for o caso, continua a fazer-me pensar se algum dia conseguiria tirar a tal fotografia. Mas lá está, o jornalista pode mudar o mundo (tu também) e talvez seja mesmo esta a forma de o conseguir.

Vanessa disse...

uma das razões pelas quais já não vou a tantas exposições de fotografia, é porque na grande maioria todas transportam uma negatividade assombrosa. um roubo de identidade alheia sem referência.
a mim, perturba-me.
sem dúvida que gosto da perspectiva do outro, mas não quando se fazem distribuições de prémios assim...

pessoalmente, isto remonta-me a uma 'massificação' da irreverência da bennetton nos anos 80, em que retratava extremos. enfim... visibilidade é necessária, mas com contenção.

filtragem é necessário, nos dias que correm é absolutamente necessário apostar no positivo, há falta de equilibrio na assimilação visual do 'bom' e do 'mau'.